Descanso. No ar sente-se o cheiro do sargaço. Os pulmões acomodados ao ar pesado das cidades estranham o cheiro forte. Um homem de face queimada e costas curvadas, junta pequenos montes de algas que o mar oferece à areia da praia. Em pequeno ouvia dizer que o sargaço servia para fazer medicamentos, cosmética e para fertilizar as terras. Dar vida. Mantê-la bela. Curá-la.
Mergulho nas águas geladas deste mar a Norte. As algas agarram o meu corpo procurando um ponto fixo, qual metáfora de migrante à procura de terra firme. Ao meu lado, duas jovens repudiam a presença da flora marítima saindo da água a correr para o conforto das toalhas. Mantenho-me quieto, recordando os tempos em que falava com este Atlântico que agora, talvez pelos rigores da idade adulta, parece não me conhecer. Eu. Aquele que te visitava uma vez por ano. No tempo quente. Talvez não te lembres. Foi há muitos anos. Não me reconheces. Estou diferente. Estou velho e cansado. Disforme e triste. Não. O meu olhar está diferente? Já não te olho como naquele tempo em que sentado na areia, durante longas horas, tentava adivinhar os caprichos das ondas. Eu ainda gosto de olhar para o mar. Sim. Talvez nem sempre o veja. Tem razão o mar. Ainda há dias alguém se zangava comigo por ter olhado mas não ter visto. Desculpa. São estes meus mundos que se fecham e estranham a vida mundana.
Ainda na água, equacionei a possibilidade do banho libertador. Olhei em redor e percebi que não seria recomendável porque vida humana pululava por perto. Tirar os calções, ainda que na água, não me pareceu recomendável. Depois de mais umas braçadas redentoras, ouvi os ossos rangerem e as articulações estalarem. São longos os invernos. Demasiado longos. Estendido na toalha entrego-me ao Deus Sol. Estou nas suas mãos. Quase que levitando, ouço ao longe o pregão do vendedor de bolas de Berlim, uma família que joga às cartas e o barco a motor, em contraste com o ócio reinante, sai à procura do sustento.
Vou embora. No regresso, tempo ainda para olhar para as fileiras de barracas listadas, qual imagem parada no tempo, imutável. Ainda bem. Despeço-me do mar e peço-lhe desculpa pela indiferença do meu olhar e pela minha ausência de muitos anos. Pediu-me que seguisse. Rumo ao meu horizonte, como o barco a motor que partia à procura do sustento. E que fosse feliz. Assim será.
No ar, sente-se um cheiro a queimado e pequenas faúlhas invadiram a atmosfera. O fogo dos homens, mais uma vez, tudo consome.
agosto de 2016
Rui Machado
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