Gosto do silêncio dos cemitérios. Aprecio a paz fresca das igrejas nestes dias caniculares. Fujo do bulício da cidade que se agita e alimenta de vidas inquietas. Silêncio. Preciso de silêncio. Ouvir-me. Escutar-me. Proteger-me. Anseio pelo marulhar das vagas que chegam e que logo partem. Procuro uma que me leve com ela na sua crista, amparado, aconchegado. Uma que me distancie para longe, muito longe, onde ninguém me possa ver. Talvez lá ficar. Ou não. Quiçá voltar no regresso dos que sempre voltam. Por mais que voe, navegue, caminhe, tenho sempre o regresso por certo. Garantia de sempre voltar ao ninho que me acolhe e protege.
- Voltas sempre?
- Sempre volto.
- Mas com quem falas nas madrugadas quentes?
- Falo com Nepente.
- Quem é Nepente?
- Não sei dizer. Nepente dissipa a dor. Ajuda-me a esquecer a tristeza e o sofrimento.
- Deve ser bom falar com Nepente…
- Nepente chama-me raio de Sol. Sara as minhas feridas e aquieta-me. Apazigua-me. Serena-me.
- E o que mais faz Nepente? Ela fala?
- Quase nunca. Ouve. Quando o faz, escolhe as palavras certas, no tom adequado, num ritmo pausado, na cadência do meu batimento cardíaco, nos intervalos das minhas muitas palavras.
- Eu gostava de beber Nepente…
- Porque não bebes? Nepente está em todo o lado. Procura. Encontrarás.
- Mas se a vires, falas-lhe de mim?
- Nunca a vou ver, não lhe posso falar de ti.
- Onde estará Nepente? Quero ir ter com ela. Falar com ela, ouvir as suas poucas palavras. Sossegar no seu sossego…
- Não é ela nem ele. É Nepente. Eu encontrei. Procura. Encontrarás.
No silêncio do meu quarto, o corpo dorido acorda aos poucos. Adormecera. Nepente tinha feito das suas. Tal como Helena de Troia fez a Telémaco. Poisei o livro na mesinha de cabeceira. Recostei-me. Adormeci de novo. Nessa noite, as sombras não apareceram.
- Sempre volto.
- Mas com quem falas nas madrugadas quentes?
- Falo com Nepente.
- Quem é Nepente?
- Não sei dizer. Nepente dissipa a dor. Ajuda-me a esquecer a tristeza e o sofrimento.
- Deve ser bom falar com Nepente…
- Nepente chama-me raio de Sol. Sara as minhas feridas e aquieta-me. Apazigua-me. Serena-me.
- E o que mais faz Nepente? Ela fala?
- Quase nunca. Ouve. Quando o faz, escolhe as palavras certas, no tom adequado, num ritmo pausado, na cadência do meu batimento cardíaco, nos intervalos das minhas muitas palavras.
- Eu gostava de beber Nepente…
- Porque não bebes? Nepente está em todo o lado. Procura. Encontrarás.
- Mas se a vires, falas-lhe de mim?
- Nunca a vou ver, não lhe posso falar de ti.
- Onde estará Nepente? Quero ir ter com ela. Falar com ela, ouvir as suas poucas palavras. Sossegar no seu sossego…
- Não é ela nem ele. É Nepente. Eu encontrei. Procura. Encontrarás.
No silêncio do meu quarto, o corpo dorido acorda aos poucos. Adormecera. Nepente tinha feito das suas. Tal como Helena de Troia fez a Telémaco. Poisei o livro na mesinha de cabeceira. Recostei-me. Adormeci de novo. Nessa noite, as sombras não apareceram.
Rui Machado
julho de 2016
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