sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O futebol que eu gosto nem é futebol, é jogar à bola



Citando Eduardo Galeano: “Un periodista pregunto a la teóloga alemana Dorothee Solle: --¿Como explicaría usted a un niño lo que es la felicidad? -- No se lo explicaría -- respondió -- le tiraría una pelota para que jugara.”

Esta não resposta sintetiza a essência do futebol. Existem duas dimensões do fenómeno: o jogo jogado pelas crianças na rua, nos campos improvisados e também nos clubes vocacionados para a formação e o negócio em que se transformou a indústria de milhões liderada pelos petrodólares e por agentes mediadores de grandes negócios, com tal envergadura que nos questionamos sobre a sua origem e porque razão não faltam interessados em investir. Há hoje um futebol sujo, a cheirar a petróleo, cativo das transmissões televisivas à escala mundial, uma indústria que não para de crescer e de gerar riqueza. Este enquadramento torna cada vez mais difícil encontrar a felicidade que a teóloga alemã dizia observar no jogo jogado das crianças. Apesar de tudo, de quando em vez, aparece um intérprete, um criador que num egoísmo egocêntrico, corre com a bola, acariciando-a, tocando-a, gerando essa relação estranha já que depois das carícias enlevadas, livra-se dela a pontapé. E ela, obediente, vai esvoaçante, sobrevoando cabeças que tentam alcançá-la mas ela leva pressa, quer chegar às redes que pretende beijar dando assim um prazer supremo ao pé criador que a projetou pelo campo fora.

O futebol, esse jogo estranho de vinte e dois obreiros, uns mais do que outros, de pouquíssimos artistas mais os apelidados especiais e doutores da bola, qual metáfora da sociedade. 

O futebol como ciência é um verdadeiro frete, que me desculpem os entendidos que hoje preenchem os milhentos programas de análise, de debate e comentário.

O futebol que eu gosto nem é futebol, é jogar à bola. É a tal felicidade. É o movimento coletivo que aproxima as diferenças, que exterioriza a alegria saudável que existe em todos nós. É o correr para o campo da escola no intervalo apressado entre duas aulas. É o gerador de amizades momentâneas numa rua de diferenças. É o bailado, o tango argentino, o samba no pé e o fandango, tudo em uníssono. É tudo e todos. É cântico de orgulho na bandeira hasteada no pilar de um povo. É cor ao vento. É afonia, é o golo gritado na telefonia elevado ao expoente máximo da loucura. É a corrida ziguezagueada entre as traves adversárias. É o limite das forças. É o palco da glória dos improváveis e muitas vezes o calvário dos consagrados. É a onda sincronizada, apartidária e vibrante das multidões. É a angústia do guarda-redes perante o pelotão de fuzilamento. É o erro humano do juiz emparedado entre jogadores, assistência e a douta análise dos comentadores. É o cromo da bola que ao domingo aproveita para ser notado depois de mais uma semana a ser ignorado. É a tribuna dos poderosos, dos beneméritos bem vestidos e perfumados que, enfadados, se mostram às massas. É a desculpa forjada, a lavagem de capitais e atitudes. É a psicanálise regressiva que nos transforma em jovens de vinte com corpos de quarenta. É o fervor clubista, irracional e quase sempre inexplicável. É doutrina. É missa pagã. É êxtase e cólica emocional, tantas vezes grito e choro.

Para terminar, peço emprestadas as palavras de Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio no seu livro El fútbol a sol y sombra y otros escritos:

“ Al final del mundial del 94, todos los niños que nacieron en Brasil se llamaron Romario y el césped del estádio de Los Ángeles se vendió en pedazos, como una pizza, a veinte dólares la porción. Una locura digna de mejor causa? Un negocio vulgar y silvestre? Una fabrica de trucos manejada por sus dueños? Yo soy de los que creen que el fútbol puede ser eso, pêro es también mucho más que eso, como fiesta de los ojos que lo miran y como alegria del cuerpo que lo juega.”

Para mim, o futebol é isto, vai ser sempre isto. Como se fosse pouco.


Rui Machado

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