O Boeing 737 da Ryanair acabara de aterrar no pequeno aeroporto de Beauvais, França. A viagem correra sem sobressaltos. Nesse ano, as férias seriam diferentes. Em vez de praias e esplanadas, a família rumou à Normandia. Ainda mal refeitos dos abanões causados pelas nuvens habituais da Normandia, lá estava ele, acenando, mostrando o seu contentamento por ter, finalmente, a sua família na sua casa em França. Toda uma vida de trabalho, tantas canseiras, a distância, os Natais longe de casa, a saudade… mas agora estavam todos juntos. E estava feliz. Talvez como nunca esteve. Um amigo ajudara no transporte da comitiva. No percurso até casa, a conversa de circunstância de quem chega a novas terras: o tempo em geral, a chuva em particular, as casas, os campos, o preço dos combustíveis, os limites de velocidade, os hábitos locais, as gentes…
Chegaram. A casa não destoava da arquitetura local, com os seus telhados muitos inclinados, as cores terra, as portadas das janelas e o seu interior com as traves de madeira à vista, era confortável e funcional.
Nas traseiras da casa, ei-lo que surgia, o Jardim. Não se encontram as palavras adequadas para o descrever. O verde, a variedade das flores, dos arbustos, das árvores de fruto, a esplanada sobre o jardim, os carros que passavam na Nacional Paris-Rouen, ignorando a beleza que perdiam, as cores…as inebriantes cores. Magnólias, petúnias, malvas, dálias, cravelinas e outras, tantas, incógnitas, talvez ainda mais belas, mais enigmáticas, distintas. Era um jardim com vida: carros de mão trabalhados em madeira, arbustos a quem o jardineiro artista deu vida, transformando-os em cestas, cafeteiras e bules, cadeiras, chávenas, de tudo um pouco, simples mas belos projetos nascidos da criatividade das mãos poéticas do artista, conduzindo as tesouras num bucólico bailado. O jardineiro madrugador, com mestria, dava forma, dava vida aos arbustos do Jardim. O Jardim do Tio Zé da França. Já o conhecíamos das fotografias que o autor orgulhosamente ostentava nas visitas a Portugal, mas vivenciá-lo, conhecê-lo in loco tornava este jardim de autor uma experiência tocante. Já todos sabíamos que havia um poço no centro deste espaço, um poço a fingir, pois em vez de dar água, dava flores. Já todos sabíamos que na horta havia um pouco de tudo, não fosse transmontano o Tio Zé. Alfaces, feijões, tomates, batatas, couves, tudo. Horta e Jardim. Jardim e Horta num namoro cúmplice testemunhado pelo Zé Jardineiro. E os filhos desta relação não paravam de nascer. Um morango que corava debaixo do sol envergonhado da Normandia. Uma alface que estava quase mas não estava. Os tomates ainda verdes, esperavam pelos dias vindouros para amadurecerem mais um pouco. Os feijões verdes que ajudaram a avó a fazer uma sopa bem portuguesa. As dálias, que neste jardim ganhavam dimensões nunca vistas, quase épicas, exibindo cores exuberantes em todo o seu esplendor. Os arbustos, falando entre si, vaidosos, esperando pelo dia da poda, esperando pelos cuidados do mestre. O que nós não sabíamos era do projeto que o Zé congeminara na linha da usina. Aí tinha feito o esquisso da surpresa. Há quatro anos que andava com essa ideia na cabeça. Mas a vida não tinha permitido. Não havia vagar. Agora havia. Começava a haver. A prova estava à vista de todos: um moinho. O Zé tinha feito um moinho. No meio do Jardim. Um moinho. Não era um moinho da Holanda nem da França, nem do seu próprio país. Era o seu moinho. E funcionava. Não precisava de grande vento para que as suas pás girassem. E giravam e ao girar tinham um não sei quê de mágico porque a gente ficava a olhar para o moinho, para o seu movimento giratório e sentia-se levar pelo movimento ondulante.
A observação do moinho transportava-nos para longe, ao ponto, pareceu-me , de ter visto, ainda que de relance, D.Quixote de la Mancha, que perdido pelos caminhos, encontrou este moinho com quem intentava guerrear-se. E foi aí, amigo leitor, percebi a presença do cavaleiro andante. O jardim feito de sonhos, estava repleto de inimigos que o cavaleiro digladiava. No entanto, eram opositores com nomes amigáveis: flores, muitas, belas e perfumadas, plantas acarinhadas e moldadas, mas sobretudo…muitos sonhos e desejos.
E percebi. Pode demorar uma vida a perceber. Mas meus amigos, pelo sonho é que vamos. Pelo sonho gerador de criatividade, engenho e querer.
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