1 - O legado do Arquiteto Viana de Lima
“ É possível afirmar que uma boa parte dos aglomerados portugueses possuem uma individualidade, que sem ser extraordinária, é bela na sua simplicidade, Bragança é um destes casos: cabeça de uma região cheia de pequenos núcleos que se agarram à terra com a poderosa força dos liquens, ela própria é, em substância e em expressão, como um deles, só muito maior. – Viana de Lima” (1)
A obra de Alfredo Evangelista Viana de Lima é incontornável na arquitetura Moderna em Portugal. Em junho de 2011, Luís Ferreira Rodrigues, arquiteto Bragançano, na evocação da Exposição de 1951 e dos 60 anos da ODAM (Organização dos Arquitetos Modernos), apresenta-nos Viana de Lima: (2)
“ De entre os 36 arquitetos e estudantes de arquitetura que integraram a ODAM, sobressai a figura e personalidade e a obra de Alfredo Viana de Lima (1913-1991), que contrastava uma postura reservada e de contido protagonismo com um vibrante entusiasmo pela arquitetura e ideais do Movimento Moderno, e em especial pela obra de Le Corbusier, as suas ideias progressistas, e a promoção das potencialidades da técnica e dos novos materiais.”
Por alturas da Exposição sobre a Arquitetura de Viana de Lima em Bragança, em março de 2005, foi possível aprofundar o conhecimento sobre o “Arquiteto de Vanguarda”: (3)
“O Senhor do Movimento Moderno, o Arquitecto de Vanguarda como o intitulam, encontra--se ligado à Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre os anos de 1938 e 1941. Vêmo-lo percorrendo vários países com o simples objetivo, de melhor compreender os problemas existentes na Arquitetura e no Urbanismo. Dos países visitados contam-se a Bélgica, o Brasil, a Espanha, a França, a Holanda, a Inglaterra, a Jugoslávia, a Itália, a Suécia e a Suíça. Em 1948 com a idade de 35 anos apresenta ao I Congresso Nacional de Arquitetura em Lisboa, a tese sobre «O Problema Português da Habitação.» Viana de Lima defende como instrumento técnico a utilização da Carta de Atenas, elaborada nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) com Le Corbusier.”
Viana de Lima é consensualmente reconhecido em Portugal como um expoente da Arquitetura Moderna, um dos poucos que nunca se encontrou com ajustes contemporizadores de linguagem e cuja produção conhecida é desde o início ao fim da carreira uma límpida sequência de obras sem compromisso. A partir dos anos 60, dedicar-se-á a importantes tarefas de levantamento e reabilitação de imóveis históricos e planeamento de antigas zonas urbanas. Graças ao trabalho desenvolvido, inicia uma carreira de consultor internacional da UNESCO que o indica para um plano a desenvolver sobre a cidade histórica de Ouro Preto no Brasil. Este caminho profissional surge na sequência do trabalho desenvolvido na cidade de Bragança, 1961, com a elaboração do Plano Parcial de Urbanização compreendido entre o Lugar das Beatas e o Governo Civil. Este Estudo foi o passaporte de entrada do arquiteto português na área da preservação do Património em várias cidades do Brasil. Entre os anos de 1968 e 1977 foi por diversas vezes ao Brasil como consultor da UNESCO, com o objetivo de estudar o Plano Diretor da cidade mineira de Ouro Preto, ameaçada de corrosão, sendo esta considerada património histórico e artístico do Brasil. Fez estudos e projetos ao nível da preservação, revitalização e expansão de várias cidades históricas tais como: S. Luís e Alcântara no Estado do Maranhão, Laranjeiras, S. Cristóvão e outras. (4)

Figura 1 - Cidade de Ouro Preto, Brasil


Figura 2 - Viana de Lima em Ouro Preto em 1972


Figura 3
Eng.º Adriano Augusto Pires
Presidente da Câmara Municipal de Bragança de 1954 a 1967
Foi na gestão camarária do Eng.º Adriano Augusto Pires, entre os anos de 1954 e 1967, que na reunião de câmara de 15 de julho de 1960 se autorizou o Presidente da Câmara Municipal de Bragança a outorgar o contrato de prestação de serviços com o arquiteto Viana de Lima para a elaboração do plano regulador do desenvolvimento urbano da cidade de Bragança. Viana de Lima estabeleceu um contrato com a Câmara Municipal de Bragança como consultor urbanista, elaborando o Plano Regulador da cidade, com o limite de 295 hectares. O Plano seria organizado em quatro vetores: vias, parte velha, centro cívico e expansão. O Plano aplicava os princípios modernos defendidos por Viana de lima: separação de vias; habitações em bloco; implantação segundo a melhor exposição solar; espaços livres abundantes; preservação da unidade arquitetónica da parte velha da cidade e criação de novos equipamentos de apoio à habitação.
No seu planeamento, Viana de Lima, introduz alterações na área de intervenção procurando compatibilizar novos e antigos elementos. Sobre esta matéria, vejamos a análise de Eduardo Fernandes (5), complementando as descrições de Fátima Fernandes e outros na obra Mapa da Arquitetura de Bragança: (6)
Viana de Lima produz, no início dos anos 60, obra com notórias influências regionais na cidade de Bragança, influências essas presentes nas moradias em banda do Bairro Novo do Toural e na respetiva escola primária. Nas vivendas unifamiliares geminadas do Bairro do Toural (atual Rua Dr. Adrião Amado, Bragança), saliente-se o desenho das coberturas inclinadas em telha de grande qualidade expressiva e a presença de alguns volumes que constroem um ritmo arquitetónico referenciado na imagem dos magníficos mirantes da cidade antiga, mantendo nesta obra sinais inequívocos de uma linguagem claramente afirmativa da modernidade nos pormenores construtivos das entradas e nas portadas de correr exteriores. No projeto do Bairro do Toural, Viana de Lima faz uma síntese entre o moderno e o tradicional, numa atitude perfeitamente urbana que não deixa de ser influenciada pela arquitetura tradicional da região.
Na pesquisa efetuada sobre o legado de Viana de Lima na cidade de Bragança, agora nos finais dos anos 60 e início da década de 70, deparamo-nos com a tese de Daniela de Almeida Rebelo: Bragança, Transformações Urbanas de uma cidade, cuja leitura permite-nos conhecer mais um pouco o trabalho desenvolvido por Viana de Lima: (7)
Ainda na década de 60, princípios da década de 70, surge uma nova figura associada ao Planeamento da Cidade de Bragança, o Arquiteto Viana de Lima. Substituindo o Arquiteto Januário Godinho na qualidade de urbanista, vai inserir uma nova conceção estética e funcional na cidade, o que implica uma nova revisão do Plano de Urbanização. Como tentativa de dar resposta às muitas necessidades emergentes da urbe, existe referência a uma grande produção de Planos Parcelares, por parte deste arquiteto. Ao contrário do seu antecessor, conhece-se a tradução gráfica das suas intenções para a cidade. Nem todos os projetos foram realizados e a maioria representava novos bairros. Entre os concretizados destacam-se: o Bairro da Estacada, o Bairro São João de Brito e ainda, o Bairro da Previdência. Nesta fase também é da sua autoria a requalificação do Hospital caraterizado pelo significativo acrescento da fachada sul. Documentos como a correspondência entre o arquiteto e a Câmara, são claros indicadores de um acompanhamento regular e interessado da evolução da cidade.
Nos finais da década de 60 e início da de 70, a cidade cresceu, nem sempre respeitando um ordenamento adequado. Surgiram alguns bairros clandestinos, sem suporte urbanístico ordenador. Mais uma vez, Viana de Lima intervém no planeamento urbanístico da cidade no sentido de ordenar o território da cidade. Para debelar este problema, em 1971, o Arquitecto Viana de Lima propõe à Câmara Municipal de Bragança um Plano Piloto que terá como consequência a revisão do Projeto de Urbanização da década de 60. A situação alterou-se, apenas se mantiveram válidas as diretrizes referentes ao esquema viário fundamental. Este novo plano foi aceite, forçosamente, pela necessidade de requalificar e regulamentar a expansão da cidade que estava a surgir.

Figura 4
Pormenor de construção de obras incluídas no Plano de Expansão
(Bairro da Previdência)

Eng.º Adriano Augusto Pires
Presidente da Câmara Municipal de Bragança de 1954 a 1967

Pormenor de construção de obras incluídas no Plano de Expansão
(Bairro da Previdência)
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Figura 5 Pormenor de construção de obras incluídas no Plano de Expansão (Bairro da Previdência) |
2 - Décadas de 60 e 70: a marca indelével de Viana Lima
Elencam-se agora as obras projetadas por Viana de Lima na cidade de Bragança:
1957 – Complexo Hospitalar de Bragança
Os primeiros estudos para o Hospital Regional de Bragança, datam de 1948, ano em que se conjeturaram novas direções no 1.º Congresso Nacional da Arquitetura, e se inicia a publicação da tradução da Carta de Atenas na revista Arquitectus. O projeto recomeça em 1960, mantendo a ideia inicial de uma aderência convicta à importação de modelos e valores do Estilo Internacional. A modernidade que, desde logo, o edifício convoca, remete de imediato para uma inferência corbusiana, expressa na volumetria geral do edifício, no controle da luminosidade, explorando a variação dos efeitos de sombra sobre a fachada através da solução de uma grelha laminar de betão, na aplicação dos novos métodos de construção, norteando a arquitetura entre quatro valores gerais – “Ambiente, gosto, espírito e engenho.” Orientação que visava, igualmente, um projeto crítico de ordem ideológica, sonhando como “ a única forma de dar aos homens, alegria e otimismo, e às cidades, vilas e aldeias a forma radiosa proposta na Carta de Atenas.” – Viana de Lima, 1948 (8)
Do complexo Hospitalar na cidade de Bragança destacam-se: Hospital, Casa Mortuária, Anatomia Patológica, Hospital de Dia, Dispensário de Higiene Mental, Lar e Escola de Enfermagem.
Segundo informação disponibilizada pela Direção-Geral do Património Cultural na sua página de internet, o imóvel não tem qualquer classificação e como consequência não tem proteção legal. O procedimento do processo de classificação do Hospital de Bragança iniciado em 2007, caducou. A pretensão inseria-se no âmbito do Projeto de Classificação do Património Arquitetónico Português do Século XX levado a cabo pelo Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR) e contemplava o Hospital Regional e Centro de Saúde Mental.
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Figura 6 Construção do Hospital (início de 1970) |
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Figura 7 Vista Geral da Fachada do Hospital de Bragança |
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Figura 8 Vista parcial da Fachada do Hospital de Bragança |
1960 – Escolas Primárias das Beatas e Toural
No âmbito do programa das Comemorações do V Centenário da Cidade de Bragança, em conformidade com a solicitação da Direção de Obras e Edifícios Escolares, desenvolveu-se o programa de alfabetização do Concelho. Para o efeito, promoveu-se a construção de mais de meia centena de escolas, duas das quais nas zonas do Toural e Beatas, com o risco do arquiteto Viana de Lima;
No âmbito do programa das Comemorações do V Centenário da Cidade de Bragança, em conformidade com a solicitação da Direção de Obras e Edifícios Escolares, desenvolveu-se o programa de alfabetização do Concelho. Para o efeito, promoveu-se a construção de mais de meia centena de escolas, duas das quais nas zonas do Toural e Beatas, com o risco do arquiteto Viana de Lima;
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Figura 10 - Escola Primária das Beatas |
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Figura 9 - Escola Primária do Toural |
1960 – Bairro Novo do Toural;
1960 – Parque de Campismo de Bragança;
1963 – Edifício Multiusos, Bragança;
1964 - Edifício do Montepio Geral que inclui: agência bancária, o Cineteatro, estalagem e café-restaurante.
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Figura 11 - Edifício do Montepio Geral |
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Figura 12 - Edifício do Montepio Geral |
1969 – Arranjo urbanístico e loteamentos de S. Sebastião e Estacada;
1970 – Bairros de S. João de Brito e Previdência.
3 – Valorizar a obra de Viana de Lima na cidade de Bragança
É impreterível reconhecer a importância da obra do Arquiteto Viana de Lima no planeamento urbanístico da Cidade de Bragança. À época vivia-se um regime político pouco dado a liberdades artísticas e culturais, limitações óbvias que não impediram o Arquiteto de Vanguarda de trabalhar em prol da preservação do tradicional com valor arquitetónico e ao mesmo tempo planear um ordenamento do território numa fase da nossa história local que poderia ter cedido a impulsos de construção desordenada. Louve-se também, porventura ainda mais, a vontade e força política do antigo Presidente da Câmara Municipal de Bragança entre os anos de 1954 e 1967, Eng.º Adriano Augusto Pires. A visão, arte e engenho nada são sem a força da vontade, do querer e do poder.
A obra de Viana de Lima em Bragança levou a Arquitetura Portuguesa para outros continentes. O exemplo brigantino foi o passaporte para intervenções de grande importância arquitetónica ao realizar projetos de restauro de património antigo português nas ex - colónias como Malaca na Malásia (intervenção na Porta de Santiago, último vestígio da Fortaleza de Afonso de Albuquerque) e, Arzila em Marrocos (reconstrução da Torre de Menagem da Fortaleza). A questão não é de somenos, merece reflexão. Bragança, pelo risco de Viana de Lima, terá sido o tubo de ensaio, o exemplo de preservação histórica e planeamento urbanístico para difundir noutras paragens da Portugalidade.
O incêndio que destruiu o Cineteatro Torralta, serviu para alertar os brigantinos da necessidade de cuidar melhor da nossa cidade. A tarefa não se limita só ao poder político. Cabe também ao cidadão estar na posse dos valores de cidadania que não pode ser só uma palavra de circunstância.
O poder político, com maior ou menor empenho, homenageou Viana de Lima:
- Na toponímia da cidade, existe a Rua Arquiteto Viana de Lima;
- Por iniciativa da Câmara Municipal de Bragança, em 2005, organizou-se uma Exposição sobre a vida e obra de Viana de Lima;
- No mandato camarário do Eng.º Jorge Nunes, instituiu-se o Prémio Municipal de Arquitetura “Viana de Lima” com periodicidade bianual;
- Nos discursos políticos locais, evoca-se o “ Mestre da Arquitetura”…
Muito honestamente, na minha modestíssima opinião, a Cidade de Bragança deve um reconhecimento à memória de Viana de Lima. Mais do que um reconhecimento, o seu legado deve ser preservado, evocado e manter-se como paradigma duma realidade de interior que como se tentou demonstrar, pode servir de exemplo para outros territórios.
Rui Machado
(2) - ODAM, 60 anos depois, Evocação da Exposição de 1951, Ateneu Comercial do Porto, junho de 2011, Porto;
(3) - Internet, página do Município de Bragança em http://www.cm-braganca.pt/ ;
(4) - Ver Campos Opostos: trabalhos e viagens de Viana de Lima ao Brasil, estudo apresentado por Tânia Beisl Ramos e Madalena Cunha Matos (Faculdade de Arquitetura da UTL) na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Brasil;
(4) - Ver Campos Opostos: trabalhos e viagens de Viana de Lima ao Brasil, estudo apresentado por Tânia Beisl Ramos e Madalena Cunha Matos (Faculdade de Arquitetura da UTL) na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Brasil;
(5) - Ver Eduardo Jorge
Cabral dos Santos Fernandes, Tese de Doutoramento, A Escolha do Porto:
contributos para a actualização de uma ideia de escola, julho de 2010, Escola
de Arquitetura da Universidade do Minho;
(6) - Fátima Fernandes, Michele Cannatá, Gonçalo Cabral Campelo, Mapa
de Arquitectura de Bragança, Ordem dos Arquitectos / Argumentum, 2004;
(7) - Daniela de Almeida
Rebelo, Bragança, Transformações Urbanas de uma cidade, Universidade de
Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Arquitetura,
outubro de 2008;
(8) - Internet, Nota
histórico-artística por Rute Figueiredo, página da Direção-Geral do Património
Cultural, 2001 em
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/328667#images
Figuras :
1 - Internet, http://innholder.blogspot.pt/
2 - Internet, http://www.repositorio.fjp.mg.gov.br/handle/123456789/327
3 - Internet, página do Município de Bragança em http://www.cm-braganca.pt/
4, 5 e 6 - Arquivo Pessoal de Lídio Correia
7 e 8 - Internet, página da Direção-Geral do Património Cultural,
7 e 8 - Internet, página da Direção-Geral do Património Cultural,
http://www.patrimoniocultural.pt/
9,10,11 e 12 - Rui Machado
9,10,11 e 12 - Rui Machado
Post detalhado e bastante completo sobre a influência da obra do arquitecto na minha cidade natal. Parabéns!
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