sábado, 6 de fevereiro de 2016

Como o rock progressivo me ajudou a compreender algumas coisas da vida



Para começar, devo confessar que ao ouvir uma música nem sempre me fixo nas palavras. Durante décadas fui (e sou) um melómano de trazer por casa. Sempre retirei imenso prazer na simples audição sem aprofundar a análise à música e letra dos temas que ouvia (e ouço) repetidamente, de preferência na horizontal, com pouca ou nenhuma luz e com os da minha espécie a uma distância considerável. Estranhamente, retirava o prazer necessário ouvindo as melodias, obviamente, mas também jogando com a sonoridade das palavras, mesmo sem as perceber. Naturalmente, a posteriori, analisava as palavras e conjeturava sobre as intenções de quem as escrevera. Estranho hábito este de querer esventrar as palavras dos poetas… De qualquer forma, para mim, as palavras são importantes. Mesmo que não sejam as minhas palavras, sobretudo quando não são as minhas palavras. 

Há um tema, uma música, que ilustra bem o que acabo de dizer: Wish You Were Here de Pink Floyd. Esta é uma das bandas da minha vida. Desde muito novo, influenciado por irmãos e primos mais velhos, no martirizado gira-discos, ouvia Pink Floyd, Procol Harum, Deep Purple, Supertramp e Led Zeppelin. Todos de origem britânica. A segunda metade da década de 60 e grande parte da de 70, deram ao mundo música de grande qualidade. De todos, Pink Floyd era um caso à parte. Em vinil e até no velho leitor de cartuchos do Citroen GS Club do Sr. Machado, ouvia-se Pink Floyd com o seu rock progressivo e psicadélico. Da minha parte, pouco captava das letras filosóficas. Atraíam-me sobretudo os ambientes sonoros criados nos seus longos temas. A produção musical, à época, era o complemento perfeito para os cenários do quotidiano, uma acompanhante permanente para as incidências da vida. Assim aconteceu com Wish You Were Here. Era só mais um sucesso. Talvez as pessoas que o ouviram desde sempre não tenham percebido o seu alcance. O seu refrão, se ouvido de forma isolada e pouco atenta, remete para uma canção romântica já que nele se repete o desejo da presença de alguém ausente. Porém, talvez não seja bem assim. Ou melhor, podemos interpretar as palavras metafóricas da dupla Roger Waters e David Gilmour como uma alienação. Vejamos: A banda britânica vivia o seu auge após o lançamento do álbum The Dark Side of The Moon em 1973. Batiam recordes de vendas, encimavam as tabelas de referência e tocavam em todas as rádios. Tamanha exposição terá transfigurado os elementos da banda, tanto sucesso terá relegado para a prateleira o lado humano dos seus elementos criativos. Era necessário recuperar a identidade dos tempos fundadores. Foi essa a linha orientadora do álbum Wish You Were Here, editado em 1975.

Logo nos primeiros versos do tema que dá nome ao álbum, infere-se o tom crítico relativamente a uma sociedade cega que já não sabia distinguir o bem do mal, condição que fragilizava os homens dominados pelos ditames da sociedade capitalista e opressiva. O homem, lato sensu, desaprendera de distinguir as belezas da natureza privilegiando os progressos do desenvolvimento material. Já não se valorizava o sorriso ocultado por um véu opaco que diminuía horizontes. As palavras continuam, espraiam-se questionando o Homem de como foi possível trocar as dádivas da natureza, da vida, por bens materiais e comerciais. Como foi possível ceder ao conformismo renegando um papel ativo na procura da humanidade perdida? Dentro da sua própria mente, o Homem estava aprisionado numa cela opressora e castrante. Depois, o tal refrão: “ How i wish, how i wish you were here” é o desejo do regresso do lado humano perdido. É a terrível assunção do imobilismo das duas faces humanas: a que se havia perdido e aquela em que nos havíamos tornado. Dois “ninguéns” dentro da sociedade que nos aprisiona, como peixes em aquário, tempo após tempo, fazendo repetidamente as mesmas coisas, sempre da mesma forma. E para quê? O que encontramos ao cabo de tudo? Os mesmos velhos receios de sempre.

Foi esta uma interpretação das palavras, por sinal bem atual. Passados 40 anos poderiam ter sido escritas por estes dias e servir de suporte às reuniões dos poderosos (o Dr. Costa vai à madrinha alemã pedir a bênção) obrigando os cidadãos a perder a face humana que os líderes europeus já há muito perderam.

No final de contas, quando não me influenciavam as palavras, apenas a sua musicalidade, talvez o outro de quem suspirávamos pela sua presença, constituísse bálsamo suficiente para uma vivência despreocupada, que hoje, infelizmente, não podemos ter.

Aqui fica a letra na íntegra, na sua originalidade para que dela possamos fazer as interpretações mais ou menos conformistas, mais ou menos românticas ou então, como eu fazia à época, simplesmente saborear a sua musicalidade e não o seu significado. Como entenderem.

Rui Machado



Wish You Were Here de Pink Floyd

(Roger Waters, David Gilmour)

So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skys from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you to trade
Your heros for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears.
Wish you were here.


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