“ São três irmãs todas cegas de nascença, Maria, a mais velha, tem 69 anos. Conceição, 65, e Ana, 62. Vivem juntas desde sempre em Covas do Rio, S. Pedro do Sul, onde não têm mais familiares.” Jornal de Notícias, 12/2/2016
Ao ler a notícia no JN, a primeira reação foi de incredulidade por um excesso de zelo, cego, frio e calculista por parte duma instituição que tem na sua génese a proteção social a quem precisa. Pormenorizemos, façamos o enquadramento da notícia: A direção do Centro Social e Paroquial de S. Martinho das Moitas, instituição financiada pela Segurança Social, presta apoio a 36 utentes carenciados. Acontece que o protocolo de financiamento só prevê o apoio a trinta beneficiários. Pelo não cumprimento do estabelecido, o Centro Social foi multado em 3600€. A direção da IPSS defende-se com a necessidade de dar resposta aos utentes necessitados que lhe batem à porta. Na verdade, três dos beneficiários, são três irmãs cegas de nascença, sexagenárias a quem se fornecem refeições diárias e limpeza semanal. Vivem sozinhas desde 2005, ano do falecimento da mãe.
Concordando que os apoios do Estado são regulamentados e devidamente enquadrados, não consigo, melhor, não quero perceber como foi possível penalizar alguém que se limitou ajudar quem precisa de apoio como de pão para a boca, aliás, o apoio era o próprio pão. Mais absurdo se torna isto tudo porque o que aconteceu não acresceu à despesa, com o mesmo dinheiro, alimentavam-se mais seis utentes. Não podiam, só podiam dar resposta a trinta.
Sendo verdade que à guisa de apoios, engordamos alguns que mais não fazem do que movimentar tascas e emperrar tribunais; Que servimos o prato a muitos que podiam e deviam trabalhar para o precaver; Que potenciamos a preguiça nuns tantos, capazes de, pelo menos, procurarem trabalho, mostrando-se disponíveis para produzir algo em troca do apoio que recebem; Sim, o apoio social talvez tenha falhado ao subsidiar quem, precisando, se acomodou ao cheque mensal da Segurança Social. Mas será que ajudar três sexagenárias cegas, sozinhas e sem familiares, sem qualquer autonomia, é desperdício de dinheiros públicos? Não é meus senhores. Não pode ser! Para o raio que os parta, Regulamento e Protocolo! Mas não foi possível verificar a necessidade destes carenciados? Mas não foi possível ir ao terreno e verificar a precisão da manutenção do apoio? Foi mais fácil multar, cumprir o maldito Regulamento. Se bem conheço o funcionamento destas coisas, enquanto não estiver resolvida a questão da coima, as próximas transferências pecuniárias para o Centro Social estarão comprometidas assim como o auxílio a todos os beneficiários.
Este excesso de zelo desmedido dá que pensar. Em sentido oposto e lendo o último livro de Maria Filomena Mónica – A Minha Europa, no seu capítulo A União Europeia, Bruxelas*, percebi a agilidade com que se desbaratam dinheiros públicos. Partilho convosco:
- “O Directorate-General for Translation, localizado em Bruxelas e no Luxemburgo, emprega 1750 tradutores permanentes. Em 2010, o custo total dos serviços de tradução foi de 130 Milhões de euros”;
-“ Inaugurado em 1969, o edifício principal da Comissão Europeia em Bruxelas, sofreu obras de remodelação por nele se ter detetado amianto. O restauro demorou 13 anos e o seu custo foi sete vezes mais elevado do que o previsto”;
- “O número de funcionários da Comissão Europeia ascende a 32,949 distribuídos por 60 edifícios”.
Em nota de rodapé da obra citada, Filomena Mónica, dá-nos a conhecer os nada modestos honorários dos deputados europeus e eurocratas:
“ A revelação dos salários recebidos por comissários, deputados e funcionários tem de ser arrancada a ferros, sendo o seu cálculo demasiado complicado para que um cidadão entenda quanto ganham. Muitos não recebem uma soma global, mas sim verbas incluídas em diversas rubricas, que se acrescentam aos seus salários. Os números apresentados têm variado, o que, se pensarmos que Bruxelas não os quer divulgar, não admira. Apesar de tudo, aqui vai um cálculo de quanto ganharão por mês um eurodeputado e um eurocrata, incluindo alguns – mas não todos – os subsídios que lhes são atribuídos:
Um deputado ganha cerca de 17,500€ e um eurocrata no topo da carreira 16,919€. A maior parte deste dinheiro está livre de impostos (apenas o salário propriamente dito paga uma pequena taxa ao fisco).”
Refiram-se mais algumas preocupantes curiosidades:
- “Em 2010, enquanto os países-membros lutavam contra a crise económica, o Parlamento Europeu aprovou uma soma elevadíssima (154 Milhões de euros) para a construção de um Museu, A Casa da História Europeia”;
- “O resultado da maquinaria eurocrata está contido em 150 mil páginas de diretivas, cujos Estados-membros são obrigados a aplicar. Na internet, existe uma base de dados, o Euro-Lex, com a legislação – 1,4 Milhões de documentos, emanada de Bruxelas. A despesa com essa atividade legislativa raramente é mencionada (…). Há alguns anos, o Comissário Verheugen arriscou um número: 600 Biliões de euros por ano, ou seja, uma soma equivalente ao PIB da Holanda”. Em Portugal no ano de 2014, o PIB estimou-se em cerca de 173,5 Biliões.
Para alguns, acabo de fazer um exercício simplista e populista. Mas não é de dinheiros públicos que estamos a falar? Quem contribui para o apoio social das carenciadas de Covas do Rio? Quem suporta parte das mordomias da União Europeia?
Resposta: O cidadão contribuinte.
Lembram-se da última crónica que partilhei convosco? Perdemos a face da humanidade e pior de tudo é que não nos apercebemos. Ou lidamos bem com isso. O que é pior.
Termino roubando as palavras ao cronista da TSF, Fernando Alves: - “ escoou-se a fé na deriva dos dias e no desconcerto do Mundo.”
* A informação referida sobre a União Europeia recolheu-se na obra de Maria Filomena Mónica, A Minha Europa, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2015, pp.295-339.
Rui Machado
Sem comentários:
Enviar um comentário
A sua opinião é importante.
Fale comigo.