sábado, 12 de dezembro de 2015

Matéria e outros elementos ou talvez o monólogo que queria ser diálogo

Fogo

Não há um dia que não me lembre de ti. Um único dia. Se à noite acordo, penso em ti. No banho penso em ti. Quando olho, mesmo não vendo, penso em ti. Quando rio, penso em ti. Em ti, sempre em ti. Tenho saudades de quando me chamavas vagabundo porque chegava tarde à noite. Tenho saudades de quando me pedias beijos e eu, furtivo, fingia que não queria. Tenho saudades de quando me punhas a mão na testa e me dizias que tinha febre. Tenho saudades de quando me penteavas e me chamavas nomes bonitos. Tenho saudades do teu comer, aldrabado como dizias. Tenho saudades de quando me chamavas troulas porque andava descamisado. Tenho saudades de te sentir por perto, existente, matéria. 

Ar

Aprecio esse teu lado sonhador, crente na boa vontade dos homens. Identifico-me com essa tua necessidade de atenção, mesmo dando ideia de que tens toda a força, mesmo quando não tens. Gosto de te ouvir, de te ler, mesmo que te pareça distante. Eu estou lá, contigo. Não me esqueço de quando me pegavas ao colo nas ruas íngremes. Vejo-te ainda na praia lendo o jornal no meio dos penedos, deitando um olho para quem passava e o outro para as letras do mundo, nem sempre boas de ler. Sigo o teu lado otimista, de que melhores dias virão e que tudo tem solução. Inspiro-me na tua resiliência, no teu já longo caminho. Reinventas-te e eu sigo-te.

Água

Gosto de te chamar mãe coragem. Tanto caminho trilhado, tantas vezes sozinha. Como te entregas aos teus e cuidas dos dos outros. Como tornas a diferença em igualdade. Como te manténs jovem e enérgica. Como te despes toda para que nada falte aos frutos do teu ventre. Lembras-te quando me levavas ( que remédio tinhas ) aos encontros com o teu namorado e eu dizia: Não gosto dele! Lembras-te? Por onde passas, as flores ficam mais belas.

Terra

Não me lembro ao certo da primeira vez que te vi. Sei que foi há muitos anos e no entanto foi há pouco, há poucochinho. Foi agora mesmo. Mas lembro-me da fragilidade que aparentavas e que cedo me nomeaste o teu fiel escudeiro. Ainda hoje, por graça, me chamas o teu segurança. E sou. Há muitos anos que seguro a tua mão no nosso destino comum. Desde o teu primeiro olhar que deixei de me sentir estranho, que os teus olhos me veem e não me sinto observado. Na verdade, sofro sempre que me não vês. Foi nessa tal fragilidade que captei o teu encanto e construi este amor antigo. E quem resiste ao teu sorriso? Viciado que estou em ti, ressaco sempre que não te tenho. Choro sempre que tu choras. Carrego-me nessa força que me empurra. Conforto-me em ti, na tua pele, no teu calor. Foste, és e serás sempre luz, fonte e alimento.

Fruto

Sabes, eu sempre quis ser pai. Tinha essa ideia, essa vontade. Para que serve a semente se não germinar um dia? Lembras-te do primeiro banho que te dei? Consegues ter memória desse momento? Mais do que memória, és a minha carne, a minha pele e não caibo em mim quando dizem que és meu, que não enganas. Lembras-te das nossas insónias? Quando juntos preenchíamos as noites más tornando-as mais suportáveis. Recordas o super-herói que um dia te dei? Para o infinito e mais além! Muito mais além, num lugar onde estaremos sempre juntos, aconteça o que acontecer. Talvez não tenha o direito mas quero que saibas que em ti, vejo-me em mim, em versão melhorada.

Flor

Escuta minha princesa, eu sei que às vezes sou um elefante e que tu és uma porcelana. Eu sei que nem sempre caibo no teu mundo de fantasia e sensibilidade. Que nem sempre estou presente e que não pareço atento. Quero que saibas que estou sempre a ver-te, que olho em todas as direções e que protejo o teu castelo encantado. Compenso-te em abraços, os meus, são os melhores do mundo.


Rui Machado

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